Um Pra Frente, Dois Pra Trás



    - Sabe, chefe, parece que eu estive aqui a vida inteira.

   - Na mira de uma arma, prestes a se foder? – perguntou a policial federal, sua arma apontada para o peito do assaltante de bancos.

    - Não. Entre duas escolhas. – O homem apontava sua arma em retorno.

Os dois se confrontavam no telhado de um armazém utilizado pelo ladrão como esconderijo. Após três anos de caça, finalmente a agente o encurralara na beira do telhado, com uma dúzia de viaturas e policiais ao redor do prédio. Ele continuou:

    - Sabe, eu acho que sou a caricatura do homem feito. Vim do nada, não desisto, não dou pra trás e, principalmente, não aceito um não como resposta.

O assaltante completou a frase com um passo à frente, firme, em direção à agente. Ela respondeu com outro, recuando.

    - Legal, mas hoje é o dia do “não”. Então se vira e põe as mãos nas costas.

O homem sorriu.

    - Na verdade, pela primeira vez, hoje é o dia do “sim”.

Os dois se encararam, imóveis. O ladrão continuou:

    - A vida é foda, não? Duvido que o seu sonho era estar aqui, nesse telhado, comigo.

    - Confesso que eu estou curtindo bastante o momento.

Ele riu.

    - Almeida, a sua vida foi decidida por um punhado de escolhas e você não estava presente em metade delas. A minha também, e é por isso que estamos aqui.

A agente Almeida franziu o cenho com a menção do seu nome. Nos últimos três anos, em outros confrontos, ele se limitara a chamá-la de chefe ou capitã.

    - Não sei você, Almeida, mas eu aprendi assim: a vida é seguir em frente e pagar as contas. Nada de passos pra trás. Você tem vinte e não tem diploma? Tem trinta e ainda não venceu? Não tem mulher e filhos? Fracassado. Encostado. Vagabundo. E por aí vai.

    - Você teve todas as chances de escolher outra coisa e não fez isso. Não vem com arrependimentos agora.

    - Relaxa. Sem arrependimentos. Mas eu não faço isso porque é legal, e sim porque não sei fazer outra coisa. Você acha que isso é uma escolha?

    - Mãos pra cima e solta a arma. Agora.

    - Calma, eu não terminei. Presta atenção. 

As sirenes estavam acesas, porém silenciosas. Por um momento, ouviu-se apenas a brisa de domingo pelas ondas do porto onde estavam.

    - Vamos falar de um jeito que você entenda. É tudo um caminho, sabe? A gente trilha aquele que aparece e segue em frente, um passo de cada vez. Mas às vezes surge uma coisinha. Uma opção. Um outro caminho. Só que esse não foi trilhado por você nem pelas pessoas na sua vida.

    - Mãos...

    - – interrompeu o ladrão. – você pensa: isso é um passo pra trás, um retrocesso. Tem gente com mais sucesso que você, e você precisa correr atrás deles. A boa vida é por ali. Para com essa porra e faz o que todo mundo faz, de uma vez

O homem parou e encarou Almeida. Ela retribuiu o olhar, mas não retrucou.

    - Então você segue em frente, sempre em frente. No caminho ficam uns corpos, uns órfãos, uns bancos acionam o seguro e tudo volta ao normal na segunda. Padrão. Tudo porque você não deu um passo pra trás e seguiu os seus sonhos, Almeida.

    - André. – a agente Almeida suavizou o tom. – Solta a arma.

    - Mas tudo bem, Almeida. Porque hoje, quem escolhe sou eu.

    - Ah é, fodão? E você escolhe o quê? – ela o desafiou, tentando retomar a compostura e o controle da situação.

    - O que eu nunca escolhi.

André soltou sua pistola e Almeida não foi rápida o suficiente para impedir que ele, de costas, tomasse os últimos passos em direção ao chão.

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